segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Educação para Surdos, para todos

Marcos teóricos e mudanças de paradigmas

Na década de oitenta, iniciamos as discussões sobre Bilingüismo e Educação Bilíngüe para Surdos, aqui no Brasil, utilizando a expressão de Sá (1998), poderíamos dizer que realizamos uma “Virada lingüística”, uma vez que foram lingüistas, professores e estudantes de Letras (graduandos e pós-graduandos) que introduziram novos paradigmas para a Educação de Surdos, com “S” maiúsculo, já que os Surdos deixaram de ser rotulados de DAs, e passaram a ser considerados “Estrangeiros” em seus próprio país, minoria lingüística que possuía sua própria língua , a LSCB, e se assumiram como membros de uma Cultura, Felipe (1988 e 1989).
As comunidades surdas, Felipe (1988), Felipe et al (1991), por identificação, luta, transgressão, libertação, rapidamente acataram esses paradigmas e também levantaram a bandeira pela Educação Bilíngüe, tornando-se seus defensores, exigindo mudanças educacionais e a oficialização da LIBRAS, Felipe (1993), CORDE (1996).
O embate entre oralismo, comunicação total e educação bilíngüe percorria por todo o Brasil. Eventos acadêmicos, trabalhos acadêmicos, monografias, dissertações e teses apresentavam propostas e experiências.
O deaf power começou a se insurgir, como nos Estados Unidos. Os surdos começaram a se interessar em pesquisar sua língua, ensiná-la de maneira mais pedagógica, a fazer teatro e poesia em LIBRAS, a assumirem sala de aula, como Instrutores, Monitores e Professores, começaram a exigir mudanças, intérpretes, legenda para noticiários e outros programas de televisão, através do Closed Caption, Telefonia para Surdos (TDD), começaram a apresentar trabalhos e debater, em eventos, novas alternativas para a Educação de Surdos, inclusive alfabetização em LIBRAS, através do sign Writing (Stumpf, 1998; www.signwrinting.org). Todas essas iniciativas e conquistas culminaram no documento “A Educação que nós Surdos Queremos”, entregue ao MEC e a outros órgãos públicos e instituições, para ser considerado, quando da elaboração das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução MEC/CNE: 02/2001).
A FENEIS, junto com os intérpretes de LIBRAS, começava a organizar e discutir proposta de regimento interno para a criação do Departamento Nacional de Intérpretes, fundado em 1992.
Nessa década de noventa, os paradigmas foram repensados (Maher, 1997) e novos surgiram, a Educação de Surdos deveria se constituir a partir não mais de questões biculturais, mas multiculturais (Teske, 1998), a surdez passou a ser vista por “um olhar sobre as diferenças” e não como diversidade, que “cria um falso consenso, uma idéia de que a normalidade hospeda os diversos” (Skliar, 1998a:13), que está ideologizada por uma perspectiva ouvintista, ou melhor, pelos vários ouvintismos camuflados nas Políticas para Educação de Surdos, Gladis (1998a); passou-se a falar de bilingüismos e suas implicações na Educação de Surdo (Souza, 1998; Scliar, 1998b).
Sob este olhar nas diferenças, as identidades surdas (Gladis, 1998b) se transpareceram como uma “construção histórica e social, efeito de conflitos sociais, ancoradas em práticas de significação e de representação compartilhadas entre surdos” e ouvintes. As pressões das organizações não-governamentais de surdos e ouvintes, das escolas e de políticos culminaram com a homologação, pelo Presidente da República, da LIBRAS, como língua oficial dos Surdos (Lei No. 10.436, de 24 de abril de 2002).
Mas paralelamente a esse repensar e busca de alternativas, em 1991, a Resolução 45/91 da Organização das Nações Unidas - ONU destaca uma Sociedade para Todos e coloca o ano 2010 como sendo o limite para que as mudanças necessárias ocorram, assim terá que haver:
• aceitação das diferenças individuais;
• valorização da diversidade humana;
• destaque e importância do pertencer, do conviver, da cooperação, da contribuição que gerarão vidas comunitárias mais justas.
Em 1992 o Programa Mundial de Ações Relativas às Pessoas com Deficiência propôs que a própria sociedade mude para que as pessoas com deficiência possam ter seus direitos respeitados.
A partir de 1994, com a Declaração de Salamanca (UNESCO) sobre necessidades educativas especiais, acirrou o debate sobre “Sociedade Inclusiva” que é conceituada como aquela sociedade para todos, ou seja, a sociedade que deve se adaptar às pessoas e não as pessoas à sociedade, por isso, nessa sociedade inclusiva, o Sistema Escolar deverá ser também baseado em uma escola integradora. Essa escola passou a ser denominada, a partir da política educacional neoliberal no Brasil, de “Escola/Educação Inclusiva.
Em 1995 continuando nessa perspectiva de uma sociedade para todos, na Declaração de Copenhague sobre Desenvolvimento Social e no Programa de Ação da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, a ONU afirma que “Sociedade inclusiva precisa ser baseada no respeito de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, diversidade cultural e religiosa, justiça social e as necessidades especiais de grupos vulneráveis e marginalizados, participação democrática e a vigência do direito”. (1995:9)
Em 1996, nas Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, a ONU institui que todos os portadores de necessidades especiais “devem receber o apoio que necessitam dentro das estruturas comuns de educação, saúde, emprego e serviços sociais” (Nações Unidas, 1996 §26).
O termo “equiparação de oportunidades” significa o processo através do qual os diversos sistemas da Sociedade e ambiente, tais como serviços, atividades, informações e documentação, são tornados disponíveis para todos, particularmente para pessoas com deficiência. (Nações Unidas, 1996 § 24)
rtir de então, as escolas brasileiras começaram a fomentar o discurso da Inclusão e, segundo depoimentos de professores, em vários estados, em nome dela, estão jogando o surdos nas classes regulares. “Entretanto, a simples inclusão de alunos com deficiências em salas de aulas do ensino regular não resulta em benefícios de aprendizagem” Stainback (1999: 22).
E as adaptações, o preparar-se para receber o Surdos?
Ah! Estão contratando Intérpretes!!!
Como, o professor não dará aula para os surdos, eles terão de ficar passivamente recebendo apenas informações de um intérprete, geralmente sem preparo para tal função e, na maioria dos casos, sem conhecimento da disciplina que irá traduzir.
Isso é uma contradição já que no próprio Livro Inclusão - Guia para educadores, afirma-se que “todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência, precisam de interações professor-aluno e aluno-aluno que moldem habilidades acadêmicas e sociais” e que “o principal objetivo do ensino inclusivo não é economizar dinheiro, é servir adequadamente a todos os alunos”, Stainback (1999: 30).
Os professores, as comunidades surdas e as academias foram atropeladas em seu processo de reflexão e concepção de uma Escola para Surdos e novos embates começaram:
Parece que um neo-oralismo, sob a forma de um ouvintismo crítico (Gladis,1998a), está ressurgindo no discurso da Inclusão que irá resgatar a normalidade, ou seja:
1. Aceita-se programas bilíngües transitórios, que iniciando com a LIBRAS, gradualmente substituirá essa língua pela Língua Portuguesa. Esse bilingüismo fraco, levará ao monolingüismo, daí, antes haverá um bilíngüismo diglóssico: os alunos surdos ficarão em classe de ouvintes, sendo que a língua de maior prestígio será a da professora e dos alunos ouvintes. Os surdos, embora possam receber a tradução simultânea do “ensinado” que estiver acontecendo em sala de aula, terá que estudar em português e fazer suas provas nessa língua. Assim, irão aprender a Língua Portuguesa e não serão mais discriminados. Mas “a ninguém se pede que mude de sexo ou de cor para não ser discriminado. Que sentido tem, então, pedir a alguém que mude de língua?” (D’Angelis, 1998;
2. Será resgatada a Identidade Ouvinte, como modelo para a escolarização, já que sendo a LIBRAS utilizada apenas como instrumento, pelo intérprete, a relação do sujeito com a língua não vai fazer mais diferença, daí também a relação do surdo com sua língua não vai ser um fator determinante, uma possibilidade de ele vir a assumir uma posição discursiva que não se reduza à mera reprodução, não permitindo também interferir, modificar, produzir e criar o novo através de sua língua;
3. A autoridade do professor poderá ser garantida, já que estava fragilizada ao ter que assumir sua deficiência em LIBRAS e ter que dividir seu espaço com surdos que se dizem professores.
4. Aceita-se a diversidade que levará a homogenização: os ouvintes e os surdos terão o mesmo currículo. E sua história social e política, sua língua, cultura e literatura? E os professores surdos?
5. A preocupação continua a ser somente com a escolarização e não com a Educação;
6. Mas o surdo terá direito a intérprete na sala de aula!!
Educação para Surdos, para todos.
Atualmente, educar está sempre sendo usado como sinônimo de ensinar, escolarizar, e nessa ideologia tecnicista, cada vez mais, a escola está se afastando de sua essência: educar, que etmologicamente vem de ex-dúcere – conduzir para fora, trazer à tona, à expressão, o que vive dentro do homem, pelo próprio étimo. Daí, educação presume “acompanhamento, companhia, diálogo, troca de olhares e de experiências, manifestação de relação homem x mundo que a percepção acolhia, ensaio de especulações, construção de conhecimento”.
Como conceber todo esse processo sendo intermediado pelo intérprete se “educar é educar-se a si enquanto companhia de um outro? Cada diferença a ser trabalhada é uma diferença e não uma desqualificação do sujeito”. (Yunes (1998:19).
Assim, a Educação para Surdos não pode se resumir a uma escolarização repassada por um intérprete que, segundo Lacerda (2000:60) em seu ato de interpretar realiza um processo cognitivo pelo qual se trocam mensagens de uma língua e outra, sejam elas orais ou sinalizadas, mas que o intérprete não poderá ultrapassar essa fronteira sem “transgride o seu papel atuando efetivamente como educador”.
Daí, esse modelo radical de inclusão, em nome do MEC, que está sendo imposto pelas SEDUCs (fechamento das classes especiais, surdos em classes regular sem saber LIBRAS ou português; professores insatisfeitos e confusos por não saberem como lidar com Surdos em classe regular; sala de apoio com professores despreparados, entre outros peoblemas), não vai ajudar em nada o Surdo porque não basta ele ter o direito de se matricular em uma escola, precisa também ter o direito de permanecer nela. Essa escola precisa estar preparada para uma educação de qualidade para os Surdos, caso contrário, a evasão somente aumentará.
Não dá para ver o bonde passar e, depois, se arrepender ao ver que gerações de Surdos que estavam nesse bonde não chegaram a lugar algum!
Será que teremos que esperar novamente mais 100 anos, para que outro bonde chegue, depois que essa Tsunami neo-oralista ter invadido todas as escolas e ter provocado essa destruição que estamos já presenciando?!

Como falar de aceitar as diferenças, sociedade inclusiva, escola inclusiva, quando um único modelo está sendo imposto, sem se ver nas mãos dos outros a resistência impotente dos que representam as minorias que não têm força política o suficiente para dizer: é essa a "educação que nós Surdos queremos!"

Finalizando, podemos concluir que os novos embates e debates, agora, à luz de uma Escola Inclusiva que pressupõe uma Sociedade Inclusiva, não poderão mais ficar em dualismos maniqueístas: ouvintes x surdos, Ensino Regular x Ensino Especial, Escola de Surdos x Escola de Ouvintes, que subjazem uma ideologia conservadora. O debate agora será em torno de um novo paradigma: uma Escola para Surdos e para Todos, porque nessa Escola, como Gadotti (1989) afirma “a tarefa da educação” será “a tarefa essencialmente ligada à formação da consciência crítica. Quero dizer que identificaremos educar com conscientizar. O papel da conscientização de que nos fala Paulo Freire é essa decifração do mundo, dificultada pela ideologia; é esse “ir além das aparências”, atrás das máscaras e das ilusões, pagando o preço da crítica, da luta, da busca, da transgressão, da desobediência, enfim, da libertação”.(Freire, 1995 e 2000)

Tanya A. Felipe

sábado, 14 de janeiro de 2012

A EDUCAÇÃO QUE NÓS SURDOS QUEREMOS



DOCUMENTO ELABORADO PELA COMUNIDADE SURDA A PARTIR DO PRÉ-CONGRESSO AO V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE EDUCAÇÃO BILINGUE PARA SURDOS, REALIZADO EM PORTO ALEGRE/RS, NO SALÃO DE ATOS DA REITORIA DA UFRGS NOS DIAS 20 A 24 DE ABRIL DE 1999



1. POLÍTICAS E PRÁTICAS EDUCACIONAIS PARA SURDOS

DIREITOS HUMANOS

1. Propor o reconhecimento da língua de sinais como língua da educação do Surdo em todas as escolas e classes especiais de surdos.

2. Assegurar a toda criança surdadireito de aprender línguas de sinais e também português e outras línguas.

3. Assegurar às crianças, adolescentes e adultos surdos, educação em todos os níveis, como pressuposto a uma capacitação profissional.

4. Levar ao conhecimento das escolas os direitos dos surdos. Promover a conscientização sobre questões referentes aos surdos.

5. Recomendar que programas televisivos não veiculem posturas que gerem atitudes discriminatórias contra o uso da língua de sinais e direitos dos surdos defendendo posturas ouvintistas.

6. Levar em conta o conhecimento da língua de sinais para a escolha dos professores de surdos. Entende-se como prova de conhecimento em língua de sinais: certificado específico de curso reconhecido pelas Associações e Federações de Surdos, com aprovação posterior em banca constituída pela comunidade surda.

7. Propor iniciativas visando impedir preconceitos contra surdos.

8. Criar cursos noturnos para jovens e adultos surdos no ensino fundamental, médio, superior, supletivos, cursos profissionalizantes, em que os professores usem língua de sinais ou em que haja intérpretes da mesma.

9. Regularizar ou implementar o ensino para os surdos onde quer que eles estejam presentes.

10. Usar da tecnologia na comunicação com surdos em escolas e locais públicos uma vez  que se tem constatado que a tecnologia ajuda na aquisição do português escrito.

11. Buscar recursos para a manutenção de uma Central de Intérpretes para atender aos surdos de Classe Especial, de Integração e Faculdades.

12. Formular políticas públicas para levantamento e atendimento educacional de crianças de rua surdas.

13. Propor uso de legenda na mídia televisiva, particularmente nos momentos de noticiário regular extraordinário, o que favorece a compreensão pelos surdos.

14. Realizar estudos a fim de levantar a real situação educacional dos surdos: escolaridade, número de surdos não atendidos, evadidos, analfabetos, etc.

15. Em educação, assegurar ao surdo o direito de receber os mesmos conteúdos que os ouvintes, mas através de comunicação visual. Formas conhecidas, em comunicação visual importantes para o ensino do surdo são: línguas de sinais, língua portuguesa, e outras línguas no que tange à escrita, leitura e gramática

16. Respeitar a decisão do surdo em usar ou não aparelho de audição. Não impor o uso do mesmo, nenhum surdo pode ser obrigado a usar aparelho auditivo, que esta decisão deve ser consciente.

17. Nos concursos vestibulares os surdos devem contar com intérpretes na ocasião das provas e a prova de português deve ter critérios especiais de avaliação.

18. Em concursos públicos onde o surdo concorre com outros deficientes sua prova de português também precisa ser analisada com critérios específicos e inclusive com presença de intérpretes.

19. Incorporar aos currículos dos cursos superiores disciplinas que abordem: língua de sinais e outras informações sobre culturas surdas, particularmente nos cursos de formação de  médicos, fonoaoudiólogos e outros que irão trabalhar com surdos.

20. Promover a recuperação daqueles indivíduos surdos que por muitos anos foram mantidos no "cativeiro" dos ouvintes, possibilitando sua integração à sociedade.

21. Repensar o destino do patrimônio dos surdos, assim como o patrimônio das  escolas de surdos quando deixam de existir.

22. Considerar que a integração/inclusão é prejudicial à cultura, à língua e à identidade surda.

23. Propor o fim da política de inclusão/integração, pois ela trata o surdo como deficiente e, por outro lado, leva ao fechamento de escolas de surdos e/ou ao abandono do processo educacional pelo aluno surdo.

24. Considerar que a integração da pessoa surda não passa pela inclusão do surdo em ensino regular, devendo o processo ser repensado.


A ESCOLA DE SURDOS

25. Elaborar uma política de educação de surdos com escolas específicas para surdos.

26. Considerar que a escola de surdos é necessária e deve oferecer educação voltada para princípios culturais e humanísticos, promovendo o desenvolvimento de indivíduos cidadãos e sendo um centro de encontro com o semelhante para produção inicial da identidade surda.

27. Enfatizar a urgência da criação de creches e escolas de ensino fundamental e ensino médio para a população de surdos da capital e interior. Devem ser criadas mais escolas de surdos nos municípios e na capital, se possível centralizando estas escolas nos municípios pólos.

28. Articular as várias escolas de surdos, criando espaço de discussão a fim de qualificar a educação de surdos.

29. O ensino dos surdos que precisam de apoio visual para se comunicar não devem ser incluídos nas listas de inclusão na educação infantil, ensino fundamental, e ensino médio. Eles precisam do suporte que somente a escola de surdos pode dar.

30. Implementar ensino para surdos adultos nas escolas de surdos. Ampliar as escolas de surdos com oferta de escola noturna para surdos. Criar e ampliar o ensino à surdos adultos, visto que há uma população surda analfabeta, com baixo nível escolar ou que abandonou a escola por não conseguir acompanhar conteúdos  ou, ainda, por necessitar de uma educação de melhor qualidade.

31. Solicitar informação visual e/ou legendada nas escolas de surdos, como também a instalação de sistema luminoso na campainha.

32. Propor o fim da divisão por etapas nas séries iniciais para surdos: 1ª sérieetapa, 1ª sérieetapa, etc.

33. Revisar o papel das clínicas junto às escolas de surdos no sentido de que a educação do surdo não seja clínica.

34. Considerar que as escolas de surdos devem ter intérpretes em todos os eventos e para os momentos de diálogo com a família de pais surdos e entre familiares ouvintes e filhos surdos.







AS CLASSES ESPECIAIS PARA SURDOS

Se não houver escolas de surdos no local e for necessário programa de surdos à distância com classes especiais para surdos ou em municípios pólos, a comunidade surda recomenda que:

35. Nas classes especiais, que os surdos não sejam tratados como deficientes, mas como  pessoas com cultura, língua e comunidade diferente.

36. Seja incentivado, mostrado e estimulado o uso das línguas de sinais pelo surdo, indo ao encontro de seu direito de ser e de usar a comunicação visual para estruturar uma língua de sinais coerente.

37. A aquisição da identidade surda seja considerada de máxima importância, tendo em vista quepresença de professor surdo e o contato com a comunidade surda possibilitam ao surdo  adquirir sua  identidade.

38. Sejam introduzidas palestras sobre cultura surda nas escolas com classe especial para surdos.

39. Garanta-se atendimento adequado nas escolas ondeclasse especial de surdos no sentido de acabar com sentimentos de menos-valia e que os surdos recebam ensino adequado.

40. Implantem-se sistemas de alarme luminoso, cabinas de telefone tdd ou fax em escolas com classe especial de surdos.

41. Promova-se a criação de um banco de dados sobre a situação dos direitos dos surdos, bem como sobre sua cultura e história, visando a promoção da identidade surda na escola com classe especial.

42. Apoie-se a definição de ações de valorização da comunidade e cultura surda na escola com classe especial.

43. Trabalhe-se com os surdos e suas famílias no sentido de  que a família adquira a língua de sinais.

44. Seja implantado um Programa de Pais garantindo o acesso a informação e  assessoramento adequados.

AS RELAÇÕES ENTRE PROFESSOR OUVINTE E O PROFESSOR SURDO

 45. Propor que administradores, professores de surdos e funcionários aprendam a língua de sinais.

46. Promover a capacitação dos professores de surdos no sentido de que os mesmos tenham linguagem acessível em línguas de sinais para atender aos educandos surdos.

 47. Garantir a formação e atualização dos professores ouvintes de surdos de modo a assegurar qualidade educacional. Formar (cursos superiores e de extensão)  os professores de surdos, com capacitação dos mesmos no conhecimento da cultura, comunidade e língua dos surdos.

 48. Garantir que as relações entre professores surdos e professores ouvintes sejam igualitárias

 49. Assegurar que  nas reuniões de escolas de surdos, os professores surdos tenham direito a intérpretes e a entender o que está sendo falado, tendo suas opiniões respeitadas e debatidas como são as dos professores ouvintes.

 50. Assegurar que o professor surdo tenha direito e prioridade de trabalho em escola de surdos.

51. Considerar os professores surdos como educadores.

 52. Garantir a equiparação salarial entre professores surdos e ouvintes, respeitando o plano de carreira em vigor.


2.COMUNIDADE, CULTURA E IDENTIDADE

A IDENTIDADE SURDA


53. Substituir o termo de “deficiente auditivopor surdo considerando que o deficiente auditivo e o surdo não têm a mesma identidade: o deficiente auditivo usa comunicação auditiva, tendo restos auditivos que podem ser corrigidos com aparelhos; o surdo usa comunicação visual (línguas de sinais) e não usa comunicação auditiva.

54. Incentivar o contato do surdo com a comunidade surda, pois a construção das identidades surdas se dá  prioritariamente no contato com outros surdos.

55. Reconhecer que a pessoa surda é um sujeito com identidade surda. O objetivo de mudar o surdo para torná-lo igual a um ouvinte é um desrespeito à sua identidade e à sua condição de cidadão.

56. Evitar que o surdo seja obrigado a aceitar a representação da identidade ouvinte o chamado ouvintismo.

AS LÍNGUAS DE SINAIS


57. Oficializar a língua de sinais nos municípios, estados e a nível federal.

58. Propor o reconhecimento e a regulamentação da língua de sinais a nível federal, estadual e municipal para ser usada em escolas, universidades, entidades e órgãos públicos e privados.

59. Considerar que as línguas de sinais são línguas naturais das comunidades surdas, constituindo línguas completas e com estrutura independente das línguas orais.

60. Considerar que as línguas de sinais expressam sentidos ou significações que podem facilmente ser captados e decodificados pela visão.

61. Propor contato obrigatório com Associações ou Federações de Surdos para a formação de pessoas com prática e conhecimento em língua de sinais.

62. Considerar que a língua de sinais tem regras gramaticais próprias.

63. Considerar que a língua de sinais favorece aos surdos o acesso a qualquer tipo de conceito e conhecimento existentes na sociedade.

64. Observar que a língua de sinais é uma das razões de ser da escola de surdos, assim como existem escolas em outras línguas (espanhol, inglês...).

65. Reconhecer a língua de sinais como língua da educação do surdo, que é  expressão da/s cultura/s surda/s - Língua e cultura não indissociadas.

66. Considerando que a língua de sinais é própria da comunidade surda, garantir queensino de línguas de sinais seja exclusiva dos instrutores  surdos. É necessário que os instrutores surdos sejam capacitados para o ensino da mesma, com formação específica.

67. Respeitar o uso da escrita pelo surdo com sua estrutura gramatical diferenciada.  A cultura surda merece ser registrada e traduzida para outra língua.

68. Observar que a evolução  cultural da comunidade surda se dá a partir do registro escrito,  da filmagem, de fotos, desenhos... que são meios que possibilitam o acúmulo do conhecimento.


O CURRÍCULO DA ESCOLA DE SURDOS


69. Criar programas específicos para serem desenvolvidos antes da educação escolar da criança surda visando à fluência em língua de sinais.

70. Utilizar a língua de sinais dentro do currículo como meio de comunicação.

71. Fazer da língua de sinais uma disciplina no currículo, envolvendo o ensino de sua morfologia, sintaxe, e semântica.

72. Elaborar para as escolas de surdos, uma proposta pedagógica, orientada pela comunidade surda e por equipe especializada em educação do surdo.

73. Reestruturar o currículo atendendo às especificidades da comunidade surda, incluindo no planejamento curricular disciplinas que promovam o desenvolvimento do surdo e a construção de sua identidade.

74. Fazer com que a escola de surdos insira no currículo as manifestações da/s cultura/s surda/s: pintura, escultura, poesia, narrativas de história, teatro, piadas, humor, cinema, história em quadrinhos, dança e artes visuais, em sinais. A implantação de laboratórios de cultura surda se faz necessária.

75. Contar com a ajuda de professores e pesquisadores surdos na mudança do currículo, para o qual devem ser consideradas inclusive as especificidades da comunidade surda, incluindo para os surdos os mesmos conteúdos das escolas ouvintes.

76. Usar a comunicação visual  para o ensino dos surdos em suas formas: línguas de sinais, escrita em sinais, leitura e escrita do português. Considerar que existe toda uma problemática na aprendizagem do português, que deve ser considerada como segunda língua.

77. Informar os surdos sobre  educação profissional, propostas salariais e acesso à cursos profissionalizantes e concursos.

78. Contra-indicar uso de livros e materiais didáticos que ofereçam imagens estereotipadas, responsáveis por manter discriminações em relação aos surdos.

79. Criar livros e histórias onde apareça o sujeito surdo  sem presença de estereótipos.

80. Oferecer aos educandos surdos o conhecimento de tecnologia de apoio, ou seja: os aparelhos especiais para uso de surdos, por exemplo, aparelhos TDD, TV com decodificador de legenda e equipamentos luminosos para construções e trânsito.

81. Conhecer a história surdaseu patrimônio, os quais proporcionam o estabelecimento de sua identidade surda.

 

A RELAÇÃO ENTRE A COMUNIDADE SURDA E A ESCOLA DE SURDOS


82. Fazer com que todos os surdos, inclusive crianças e adolescentes, tenham direito à convivência e proximidade com a comunidade de surdos.

83. Recomendar como necessária a interação entre escola de surdos e comunidade surda.


 

AS RELAÇÕES COM A FAMÍLIA


84. Fornecer através da escola, Secretarias de Saúde, S.U.S. e Associações, um suporte com informações qualificadas às famílias a fim de auxiliá-las a enfrentar as vivências relativas a surdez.

85. Formar equipes com presença de surdosinstrutores surdos, professores, agentes comunitários e membros da comunidade para trabalhar em conjunto com famílias de surdos.

86. Prestar assistência aos pais surdos com filhos ouvintes propiciando a presença de um intérprete em reuniões na escola em que este estuda, fazendo com que  os pais ou a escola arquem com as despesas deste profissional intermediado.

87. Liberar do trabalho nos horários necessários os pais que têm filhos surdospara  realizarem cursos de língua de sinais conforme suas necessidades.

88. Promover esclarecimentos a pais com filhos surdos para que estes possam viver e desfrutar de uma vida normal como surdos.

89. Transmitir aos pais, irmãos e familiares a orientação  para que seja utilizada língua de sinais na comunicação com a criança surda.







AS ARTES SURDAS

90. Considerar que em nossas escolas, existem pequenas ou mínimas referências ou quase nada de iniciação a arte surda. Nota-se que muitas escolas ainda primam pelo uso de coral de surdos, que não condiz com a expressão da arte surda.  O coral pode se tornar uma arte surda, desde que visualmente expressivo e dirigido por um surdo.

91. Observar que os alunos surdos precisam de contato com a arte surda, tal como é mostrada na história, no dia-a-dia do surdo com sua produção de significados.

92. Levar os surdos ao contato com artistas surdos e com a arte surda através de fotos, vídeos, pinturas, esculturas, teatro.

93. Considerar que os olhos, as mãos, a expressão corporal e facial sinais referenciais para os surdos.

94. Despertar os surdos para a arte, a fim de que possam expressar sua identidade surda através da mesma.

95. Ver a arte surda como forma de significação que produz certas características determinantes para a diferença e as construções históricas e culturais.

96. Colocar a perguntapor que vivemos num complexo tão desumano em relação à arte surda?

97. Considerar queartistas surdos em diferentes contextos como atores, poetas em língua de sinais, pintores, mágicos, escultores, contadores de histórias e outros, tais como os cineastas.

98. Adotar como estratégia relevante para a arte nas escolas a discussão com os alunos sobre como criar a arte surda.

99. Incentivar o teatro, a poesia, a pintura e pesquisas na história, na comunidade surda e outrosArtistas surdos ou debates na comunidade surda sobre a arte seriam bem vindos para incentivar os alunos "desgastados" pela exclusão da arte nas escolas de surdos.

100. Observar que o uso das imagens sobre o surdo na sala de aula precisa conter algo dos surdos. Um bom ponto de pesquisa está na Internet, ondesites de surdos que trazem imagens autênticas de surdos.

101. Considerar necessário o conhecimento da arte e expressão surda por parte dos professores, que precisam conhecer a arte surda para que o aluno surdo possa desenvolver sua criatividade e não se envergonhe ou esconda a sua arte.

102. Reconhecer que alguns surdos tem dons muito próprios para a arte de expressão corporal e ela deve ser incentivada pela família, escola ou associação de surdos.

103. Assegurar quearte a ser usada na escola não se resuma a pintar desenhos "pré-feitos por professores", ou cantar músicas que são destituídas de significado para a cultura surda.

104. Repensar e discutir a arte surda no que ela representa em suas implicações políticas.

105. Encorajar os surdos para a busca de significados que expressem a/s cultura/s surda/s.

AS CULTURAS SURDAS

106. Promover a/s cultura/s surda/s através de história, arte, direitos dos surdos, tecnologia e escrita de sinais, privilegiando os meios visuais em sua produção, veiculação e acesso.

107. Promover a criação de bibliotecas visuais nas escolas e o acesso a esse acervo pela comunidade surda.

108. Encaminhar solicitação de espaço especial na TV para programas sócio-culturais-artistícos e educacionais de surdos.

109. Estimular entre as crianças surdas a criação de significados e a vivência das cultura/s surda/s.

110. Estimular as crianças a produzirem histórias clássicas em língua de sinais, registrando-as na escrita de sinais, em vídeo, desenhos ou pintura.


3. FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL SURDO


GERAL

111. Desenvolver ao máximo a educação e a formação das pessoas surdas.

112. Criar cursos profissionalizantes para surdos nas escolas de surdos de 2° Grau.

113. Criar cursos específicos para surdos como instrutores de língua de sinais, solicitando junto às Associações e Federações de Surdos, que devem ser o centro de apoio das pessoas que as procuram.


OS EDUCADORES SURDOS

114. Buscar a formação de profissionais surdos a nível acadêmico, nas áreas afins, tendo em vista o direito que os surdos tem em serem educados na sua própria Língua.

115. Recomendar ao professor surdo a reflexão sobre a representação de sua identidade surda, uma vez que ele é, fundamentalmente, um modelo de identidade para a criança surda.

116. Garantir que a escola de surdos tenha a presença de profissionais que sejam surdos, que devem ser ouvidos quando se trata de questões próprias de sua comunidade.

117. Assegurar que no curso de formação para os professores surdos exista currículo específico sobre todas as implicações da surdez ( educacionais, culturais, vocacionais...), bem como sobre língua de sinais ( estrutura, morfologia, sintaxe...).

118. Considerar queformação específica e o trabalho do professor surdo, enquanto profissional, são necessários. É importante que o professor surdo esteja engajado nas lutas da comunidade surda..

119. Incentivar na comunidade surda a escolha pelas carreiras de licenciatura.

 

OS INSTRUTORES DE LÍNGUA DE SINAIS


 120. Encaminhar o Instrutor surdo com conhecimento no campo da educação de surdos para trabalhar em escolas. Os Instrutores surdos sem formação no magistério devem atuar em outras áreas, como por exemplo: família, empresas, etc.

 121. Observar que o ensino de língua de sinais requer instrutores surdos com formação.

 122. Buscar a regulamentação da profissão de Instrutor de Língua de Sinais, em parceria com Associações e Federações de Surdos, para obter o reconhecimento legal da profissão.

 123. Garantir que a profissão do Instrutor de Línguas de Sinais seja exclusiva dos surdos.

 124. Assegurar que os surdos com formação e experiência profissional coordenem os instrutores surdos.

 125. Exigir que a formação mínima do instrutor surdo seja de nível médio.

126. Implementar o curso de formação de Instrutor na escola de ensino médio de surdos como uma habilitação específica. Ex.: contabilidade, instrutor surdo, secretário, etc.

127. Implementar os agentes multiplicadores para formação de instrutores surdos.


 

O MONITOR  SURDO


128. Considerar que o monitor é um auxiliar/estagiário e que a sua permanência em sala de aula, portanto, não pode ser definitiva.

129. Considerar que o monitor surdo é um recurso humano provisório, um assessor do professor ouvinte, que não pode se servir dele permanentemente.

 130. Favorecer a formação do monitor surdo e sua passagem para outras etapas como instrutor e/ou professor.

O PESQUISADOR SURDO


131. Incentivar a pesquisa dos surdos, considerando que faltam pesquisadores urbanos.

 132. Observar quepesquisador surdo precisa manter parceria com o pesquisador ouvinte.

 133. Considerar que os surdos pesquisadores necessitam de apoio financeiro.

 134. Incentivar a que o pesquisador surdo não seja apenas usuário, precisando desenvolver sua própria pesquisa.

 135. Assegurar que seja respeitada a autoria do pesquisador surdo.


 

OS SURDOS UNIVERSITÁRIOS


136. Assegurar o direito da presença do Intérprete de Língua de Sinais no decorrer do concurso de vestibular.

 137. Garantir a existência de intérpretes contratados pela universidade, assegurando ao surdo condições semelhantes de seus colegas ouvintes.

138. Lutar para que a comunidade científica das universidades reconheça a Língua, a cultura e a comunidade surda.

 139. Implementar o ensino médio para surdos, com vistas à capacitação profissional e para a disputa nas provas de vestibular, garantindo o acesso do surdo aos cursos profissionalizantes e/ou às universidades;

140. Caso seja aceito pela comissão organizadora, discutir a estrutura das provas do vestibular, levando em conta as especificidades da comunidade surda.

141. Propor que intérpretes reconhecidos pelas Associações e Federações de Surdos, possam atuar nas universidades, sempre que houver solicitação e interesse de ambas as partes.

 142. Considerar que a formação universitária dos intérpretes é necessária para garantir a formação do profissional surdo.

 143. Propor que as universidades abram cursos para formação de intérprete de LIBRAS, em parceria com Associações e Federações de Surdos.

144. Buscar fonte de recursos, governamentais e não governamentais, para a contratação de intérprete de língua de sinais.

145.Nas universidades que acolhem surdos, lutar para que seja organizado um centro de apoio onde possam ser divulgadas informações referentes à surdez, para a comunidade universitária.

 146. Dentro das universidades e cursos de graduação, assegurar a criação de uma disciplina que informe aspectos gerais que fazem parte da comunidade surda.

147. Garantir que somente intérprete com formação de 3° Grau possa atuar na tradução para língua de sinais nas universidades.